A   PARTICIPAÇÃO  BRASILEIRA


   

Trechos do Cap.7 do livro”SERÁ QUE VALEU A PENA”?
de Dacilio de Abreu Magalhães (3ºContingente)

 

...O relato mais importante do General lracilio foi esse:

- O desconhecimento da missão e da área em que iríamos atuar. foram cruciais e influíram muito em toda a vida inicial da nova unidade, que só a 14 de dezembro de 1956 passou a ter autonomia administrativa, permanecendo sediada no 2º RI - Rio de Janeiro, para uns de arraçoamento. A tropa da ONU a que iríamos nos integrar foi chamada entre nos inicialmente. de Policia Internacional e todos os dias, os jornais que apelidaram de Batalhão de Suez a nossa unidade, noticiavam a partir de fontes que desconheço. as tarefas que nos caberia desempenhar, em condições sempre de muita dificuldade e de grande risco.

Como conseqüência natural, o recomendado voluntariado( pela ONU ) para formação da unidade. só em parte se cumpriu, sendo muitos praças escalados por seus comandantes. imediatos ou não, alguns desses comandantes escolhendo o melhor de sua tropa e outros designando só os Oficiais de quem se queria ver livres e os soldados de má conduta.. Pessoalmente não convidei, se não o Maior QEMA Afonso Celso Bodstein para ser meu oficial de operações S-3; por outro lado os quadros de efetivo para o Batalhão. quer o de pessoal, quer o de material, eram ricos em graduados e paupérrimo em soldados; foi para nos muito difícil substituir tropas de outros paises com  efetivos normais e semelhantes aos da infantaria brasileira. Aos nossos soldados coube, por muito tempo, vigiar e guarnecer frentes muito maiores de que seria razoável atribuir-lhes. Como que para compensar tudo isso, tivemos quadros de material particularmente de saúde,  de comunicações e de transporte de dar inveja aos comandantes de outras nacionalidades.

Quando o Batalhão de Suez recebeu autonomia  administrativa, estava praticamente organizado e ao seu eletivo já fora transmitido o orgulho de a ele pertencer e de se estar preparando para a missão árdua e arriscada, desconhecida em seus pormenores, mas rica em ideal e valor histórico. A instrução diária era cuidadosa e muito dura: o S-3 conhecia bem o navio Transporte de 1ropa Custodio de Meio da Marinha de Guerra, e preparava, ouvindo o Capitão de Mar e Guerra Arnoldo Toscano. que o comandava, exemplar plano de embarque: grande parte do qual. já era do conhecimento dos oficiais e sargentos do Batalhão Suez. Os diferentes materiais estavam embalados, e as estações RAD. 200 e 400. ia tinham sido inspecionadas e recebidas pelo Maior Wilson Silveira Brito~ o melhor dos Engenheiros de comunicações de então, como me foi duo pelo Diretor de Comunicações do Exército. Todo o efetivo estava vacina­do, como recomendara a ONU, e o tempo passava sem que recebêssemos a ordem para embarcar.

Fim do ano; terminou 1956 e a vida se tornou rotineira: a tropa era dispensada diariamente e se apresentava ao quartel ás 07:00 horas do dia seguinte. Já em casa, por volta das 20:00 horas de 08 de janeiro de 1957, recebi um telefonema do Oficial de Dia do 2º  Ri, transmitindo-me por ordem do Comandante do Regimento. a esperada ordem de embarque para o dia seguinte. As 07:00 horas do dia 09. o Batalhão Suez estava pronto para o embarque e os primeiros caminhões iniciaram o transporte da carga para a Praça Mauá (Cais do Porto do Rio de Janeiro). onde estava ancorado o navio Custodio de Meio. As 09:0() horas o Batalhão de Suei. com musica tocada pela Banda do 2º RI., desfilava em continência as autoridades presentes e recebeu das mãos do Coronel Janari Nunes, Presidente da Petrobrás, a Bandeira nacional, ofertada por aquela Organização, acompanhada de um belíssimo discurso, respondido pelo Comandante do Batalhão. Seguiu-se o embarque em viaturas das unidades da Vila Militar, seguindo para o então Ministério da Guerra, onde apresentei a unidade ao Chefe do Estado Maior do 1º Exercito, que ordenou desfile pela cidade e deslocamento para o Palácio do Catete (Sede do Governo Federal, no Rio de Janeiro). O Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, com todo o Ministério. queria despedir-se da tropa que deixaria a pátria para integrar-se as Forças de Paz das Nações tinidas, em Port Said: o que tudo feito, inclusive e o desfile em frente ao Palácio do Governo que o próprio Presidente autorizou. Enquanto não era decidida a partida do navio Custódio de Meio, com aquiescência do Comandante Toscano. foi permitida a visita dos meus homens aos familiares. o que foi considerado arriscado por alguns chefes, receosos de possÍveis deserções.

Com visita de todos os Generais em serviço no Rio, inclusive a do Ministro da Guerra, Marechal Henrique DulfIe Teixeira Lott e a do Presidente Juscelino. Cinco minutos antes da partida. o navio trans­porte de tropa Custódio de Meio levantou âncoras e as 23:50 horas do dia 11 de janeiro de 1957, partiu com destino a Las Palmas, arquipélago das Gran Canárias, onde chegou com 11 dias de mar; partindo às 06:30 horas do dia 25 com destino a Port Said, Egito. No trecho final da viagem, duas ocorrências gravíssimas aconteceram. No mar Mediterrâneo o Custódio de Meio enfrentou terrível furacão, que o obrigou a apagar seus fogos e ficar à deriva por cerca de 70 horas, pois a carga de gasolina e óleo diesel que fora amarrada no convés superior, junto a proa, desprendeu-se e inundou o barco de combustível. Quem puder, imagine o quadro dessa tragédia. Ao mesmo tempo, na enfermaria de bordo, o soldado João Antonio (João), com terrível infecção de garganta, sofria e morna, atendido por oito médicos e dispondo da mais moderna medicação; o organismo desse pobre jovem, não resistiu ao mau. Imediatamente procurei o Comandante Toscano e ele deixou a mim a decisão de sepulta-lo no mar ou leva-lo a terra e enviar seu corpo ao Brasil; ponderei sobre o assunto com o Major Bodstein então Sub-Comandante do Batalhão e decidi sepulta-lo no Mar Mediterrâneo, já que era impossível mantê-lo á bordo, até o regresso do barco ao Rio, agravado com o fato de desembarcar a tropa com um cadáver a bordo, o que certamente nos obrigariam a uma quarentena ou coisa parecida, antes do desembarque. A cerimônia militar de sepultamento do nosso soldado no mar mediterrâneo assistida por toda a tropa do Exército e da Marinha; foi das mais emocionantes que me foi dado assistir. Com o navio parado foi-lhe oferecida as honras militares e em seguida a cerimônia religiosa”.

             Contou-me o Sd. Evandro Soares Gomes, Iº Contingente que, ao contrario do que dissera o Cel Iracilio, o Sd. João não foi atendido por médicos, ao longo da inflamação da garganta, pois os Oficiais médicos, como toda a tropa do exército passava muito mal com o balanço do navio e com o cheiro constante de mar. Eu particularmente não pretendo colocar em dúvida, nesse livro, a capaci­dade dos Oficiais médicos, das instalações da Marinha e dos medicamentos usados, apenas devo concordar com o Evandro, pois na viagem que fiz em 1958, senti a ausência de todos os Oficiais, inclusive dos Médicos que certamente estavam recolhidos aos seus camarotes, em função do enfraquecimento provocado por sucessivos vômitos.

             O General Iracilio continuou o seu relato:

 “-No dia 03 de fevereiro de 1957, depois de 20 dias de mar e 6.136 milhas marítimas navegadas, aportamos em Port Said. Egito e recebe­mos à bordo a visita do Tenente General Edson Louis Burns. norte-­americano, Comandante Geral da UNEF-1 - United Nations Ernergency Force (lº. Força de Emergência das Nações Unidas), a qual iríamos nos integrar. O Batalhão Suez desembarcou e foi surpreendido com a oferta da Bandeira da ONU que o Comandante Toscano mandou que o alfaiate do navio confeccionasse e me entre­gou em nome da Marinha de Guerra Brasileira. A despedida em terra dos bravos marinheiros do Custódio de Meio, deixou a todos comovi­dos.

Depois de apresentada a tropa ao Comandante da UNEF, que a passou em revista e a considerou integrada a Força internacional, viaturas brasileiras e canadense transportaram o Batalhão Suez para El Ballah. onde chegamos ás 11:00 horas e dai seguimos para El Cantara, acantonamento muito castigado pela guerra e que procuramos arrumar um pouco; até que nos foi determinado que via El Arish deveríamos seguir para Rafah Camp, antigo aquartelamento inglês, dispondo de vastos depósitos e servido por linha férrea. A tropa marchou junto aos israelenses que se retiravam do território egípcio, por determinação da ONU, sendo os brasileiros, os primeiros a entrar em Gaza e chegar a fronteira de Israel”

 

Trecho do livro “ Será que Valeu a Pena?”
de DACILIO DE ABREU MAGALHÃES  - 3º Contingente

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