AS ASSOCIAÇÕES DOS VETERANOS DE SUEZ
Texto do Profº. Luis Fabiano L. Bueno
Percebemos que a intenção principal dos veteranos de Suez é
preservar a memória do grupo social ao qual pertencem.
As dificuldades sob as quais operam são múltiplas, de maneira que percebemos a
busca por uma auto-afirmação através da manutenção das diversas solenidades e
celebrações bem como da divulgação, da participação e da valorização de seus
papéis na História militar do país.
O grupo social desses veteranos passa a ter um sentimento de pertencimento e
busca em suas origens, ou seja, naquilo que os uniu – a participação na I UNEF -
uma identidade coletiva. A representatividade disto perpassa por praticamente
todas as manifestações culturais das quais participam.
Certa ambigüidade pode ser percebida quando analisamos que apesar das críticas
sobre o não-reconhecimento do Estado do devido valor da missão, vemos nas
celebrações, nos símbolos e em toda sorte de elementos comemorativos e das
lembranças uma exaltação de valores pertencentes aos órgãos oficiais. Como
exemplo, existe uma clara e evidente identificação com o Exército, com a noção
por este elaborada de Pátria e de patriotismo, com o mito do heroísmo nacional
vinculado ao soldado brasileiro. As comemorações têm por objetivo a preservação
desses valores e sua demonstração para a sociedade naquilo que chamamos de uma
luta contra o esquecimento. São, portanto, institucionalizadas, e o Exército
parece se tornar o principal veículo destas comemorações.
Assim, há uma ênfase aos veteranos e ao valor da missão por eles executada. Mas,
quais os interesses institucionais por parte do Exército Brasileiro em
incentivar, promover, aceitar e auxiliar as comemorações e iniciativas da
Associação de Veteranos? Na verdade, vemos que se trata de uma valorização
importante desta instituição diante do Governo Brasileiro. Vimos neste trabalho
a crise identitária enfrentada pelo Exército ao longo dos anos de sua trajetória
histórica. As reivindicações por trás das comemorações são na verdade contra a
União, e não contra o Exército, de forma que interessa aos comandos locais
valorizar os grupos sociais que façam referência à bravura, estima, coragem e
importância da classe militar.
Apesar de entendermos que várias formas de comemoração dos veteranos de Suez
possuam um caráter reivindicatório, vemos que algumas reclamações são justas no
que remete ao valor que poderia ter sido dado à experiência adquirida no
exterior pelos brasileiros. Sabe-se que somente os profissionais permaneciam no
Exército após a missão, sendo os soldados desligados da instituição ao
retornarem.
Em outros países, “a participação em operações de paz é aproveitada (...) como
uma escola para o aperfeiçoamento de seus quadros” Segundo outro Boina Azul, o
fato de terem sido usados para manutenção da paz na região médio-oriental teria
tornado o soldado brasileiro apto para “ participarem de operações especiais,
como o policiamento de nossas fronteiras, evitando evasão de divisas, de
riquezas e dificultando o tráfico de drogas”
Somado a isso está a falta de assistência após o retorno da Missão no Oriente
Médio e suas conseqüências, o que chamaríamos de reintegração social do soldado
brasileiro após a missão.
Não se tem notícia de indenizações, tratamentos médicos ou outras preocupações
da mesma espécie. O que sobram são relatos geralmente queixosos dos próprios
Boinas Azuis quando apontam casos de ex-participantes desempregados, doentes,
traumatizados, mendigos, enfim, em sérias dificuldades para serem reabsorvidos
pela sociedade.
Tal temática, a da reintegração social dos veteranos de Suez, fornece margem
para futuras pesquisas, pois tratar-se-ia de um trabalho de identificação da
veracidade e do grau de realidade para tais situações mencionadas obstinadamente
nos discursos até então analisados.
Um elemento presente nas falas das lembranças da missão é uma certa
imparcialidade em relação ao conflito, pois geralmente os discursos e menções
respeitantes à crise médio-oriental mostrarão uma memória que se refere à Israel
sendo visto como “vilão” e os árabes como os injustiçados da história. A
recíproca parece ser verdadeira, ou seja, os árabes passam a simpatizar com os
membros da ONU, sobretudo aqueles que viram o findar da guerra e até mesmo
passaram a ser assistidos, em certa medida, a partir do estabelecimento das
forças de paz.
Apesar dos apelos realizados pelos veteranos para a valorização da História,
buscou-se identificar em que medida estes teriam noção clara das interpretações
historiográficas ou se haveria uma crítica coerente estabelecida pelo grupo
social.
O que se nota é que poucos se tornam mais proficuamente envolvidos com a
produção intelectual compartilhada pelo grupo, passando a compreender e a
atualizar-se. Essa parte do grupo social geralmente pode ser identificada como
os responsáveis pelas comemorações, sendo eles os membros capazes de elaborarem
os eventos, de representarem o grupo junto à sociedade e perante o próprio
Exército nas relações existentes entre a Associação e a instituição maior.
Porém, outro questionamento que se tentou resolver foi sobre as formas de
interpretação histórica provenientes da memória construída enquanto “discurso
formatado”. Percebemos que se trata claramente da construção de uma história
positivista da missão, ou seja, o que se mostra e o que se deixa de mostrar
concorre geralmente para o bom funcionamento dos interesses das Associações em
valorizar a Missão Suez, os seus participantes, o Exército Brasileiro, de modo
que se buscam excluir os problemas e erros vinculados à missão.
A única falha estaria relacionada justamente ao fato da falta de assistência
financeira e do devido reconhecimento para os soldados envolvidos na missão.
Assim, os aspectos relativos às relações estabelecidas entre a Associação
conduzida pelos veteranos e a instituição Exército Brasileiro, apresentam alguns
paradoxos importantes.
Por um lado vemos que se estabelece uma relação, acima citada, que pode ser
vista como uma espécie de pertencimento por parte dos veteranos à instituição
maior – Exército Brasileiro. Isso evidenciou-se através de múltiplos aspectos
percebidos na análise campal: uso de símbolos, discursos, fardamentos, costumes
e outras formas de apresentação propriamente militares; semelhanças nas
comemorações, nos hinos, nas homenagens, nos objetos a serem cultuados; adoção
de mentalidades e ideologias presentes nos quadros marciais, como por exemplo o
conservadorismo, a disciplina, o governo, a hierarquia, a ordem, etc...
Por outro lado, vimos o discurso da queixa, da indignação, da reivindicação, da
apresentação daqueles que se sentem traídos pela Pátria e pelo Exército pelo
qual um dia se dedicaram inteiramente servindo fora do país, arriscando-se,
entregando-se e sendo em contrapartida desamparados.
Nada obstante, o relacionamento formado parece ser de mútuo respeito e de um
recíproco interesse. Ou seja, da mesma forma como para os ex-integrantes do
Batalhão Suez torna-se imprescindível a aparição, a presença, a menção, o
reconhecimento formal (ainda que apenas discursivo), a política da boa
vizinhança também interessa ao Exército ou mais pontualmente, aos comandos
locais estabelecidos, pois prestigiar a História do Exército, um passado
histórico glorioso, uma missão que pode ser vista como um acerto, uma
contribuição para a paz mundial, bem como justificar uma situação atual
extremamente criticada (no caso uma missão de paz), tornam-se motivos
suficientes para aproximar e dar voz aos veteranos.
A atual missão de paz no Haiti suscita indagações importantes, pois vemos um
passado histórico que passa a ser recentemente construído pelo Exército,
utilizando a memória até então existente das outras participações brasileiras
para trazer a tona aspectos referentes à importância deste tipo de intervenção.
Forja-se assim um caráter para o soldado brasileiro como sendo identificado como
“soldado da paz”. Apresenta-se como característica do Exército a da instituição
onipresente e infalível, utilizando-se frases de efeito sensibilizadoras e
justificadoras das ações e decisões governamentais; multiplicam-se os artigos em
revistas impressas e virtuais sobre o assunto missões de paz.
Por exemplo, durante o ano de 2005 reformulou-se o site oficial do Exército,
incluindo-se maciçamente textos e imagens sobre as missões de paz, com
chamativos logotipos sendo colocados na página inicial. Igualmente,
multiplicaram-se os artigos em revistas oficiais especializadas, sendo a maior
evidência para tal a supracitada “Revista Verde Oliva”, que em suas últimas
edições publica sistemática e (Como ilustração de um exemplo para as muitas
críticas negativas relativas ao Haiti, ver PETRY, A. O atoleiro em que o Brasil
se meteu. In: Revista Veja. Ed. 1883, a. 37 n. 49. 8 dez. 2004. p. 130 – 142.
211 BRASIL. Exército Brasileiro – Braço Forte, Mão Amiga. Disponível em:
http://www.exercito.gov.br/ Acesso em 03 jan. 2006) ininterruptamente artigos
sobre missões de paz e sobretudo matérias glorificando a atuação brasileira no
Haiti.212 Entendemos que este trabalho não esgota de maneira alguma a temática
proposta, tratando-se somente de um passo inicial que pretende suscitar novas
frentes de interpretação para o tema. Não há ainda uma investigação satisfatória
e academicamente produzida que trate da atuação brasileira na UNEF, de modo que
compreendemos como viáveis e necessários trabalhos que vinculem a temática com a
História Militar, com a área das Relações Internacionais, e até mesmo que venham
a aprofundar a questão da reintegração social e da memória dos veteranos de
Suez.
Tendo em vista a intensa e constante participação brasileira em Forças de Paz da
ONU, vemos que multiplicam-se as fontes para sua investigação histórica. Apesar
disso, são escassos os trabalhos na área, havendo uma carência na produção desta
historiografia. Um campo vasto para a atuação do profissional interessado é
justamente o da aproximação entre o meio acadêmico e os testemunhos ainda vivos
desta tão importante página da História Nacional.
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Contingente entre 1958 e 1959, chegando ao posto de Cabo do Exército] SILVA
JUNIOR, Theodoro da. Entrevista. Curitiba, 14 ago. 2004. [ Theodoro da Silva
Junior serviu durante o 10 º Contingente, em 1962, chegando a ser Cabo do
Exército ]
113
Anexo 1 –
Transcrição do conteúdo textual da placa comemorativa, junto ao Monumento
Soldados da Paz, localizado na Praça das Nações, em Curitiba.
“HOMENAGEM DO POVO PARANAENSE AOS SOLDADOS DA PAZ - OS BOINAS AZUIS
Remonta ao fim da II Guerra Mundial a História dos BOINAS AZUIS. Os Soldados da
Paz da Força Internacional, criada em 02 de Novembro de 1956. Tudo começou
quando 51 países assinaram a Carta das Nações Unidas, em 26 de Junho de 1945
ratificada em 12 de Setembro seguinte pelo Brasil e promulgada em 22 de Outubro
daquele ano. Partiu do Canadá, em 1956, a idéia de criar a Força Internacional
de Emergência, destinada a supervisionar o fim dos conflitos na área do Canal de
Suez, no território neutralizado da Faixa de Gaza pertencente ao Egito. Foram
dez os países participantes: Brasil, Canadá, Colômbia, Dinamarca, Finlândia,
Índia, Indonésia, Iugoslávia, Noruega e Suécia. Nasceu daí a UNEF: United Nation
Emergency Force, para o cessar fogo entre o Egito de um lado, e a composição
França, Inglaterra e Israel, do outro. Deu-se a nacionalização do Canal de Suez
pelo então presidente Nasser. Do Brasil o primeiro contingente da UNEF partiu em
1956, tendo chegado em 1957. Acampou no deserto, próximo ao Canal de Suez,
passando a se chamar “Batalhão Suez”. Seus integrantes, lá permaneceram até
1967. Força de Emergência das Nações Unidas – UNEF Prêmio Nobel da Paz – 1988.
Curitiba, 24 de Outubro de 1989.”
................................................................................................................
Hino HINO DO BATALHÃO SUEZ
Letra: Cabo Eduardo Pikunas
Música: Cabo Eduardo Pikunas e Soldado Romeu C. Moreira (ambos do 7º Cont. e 8ª
Cia.) I
Batalhão Suez Gloriosa Unidade de Paz Fiel representante perante o mundo Do
Brasil e de seu povo audaz Sentinela, sempre alerta Deste longínquo deserto
oriental És a Unidade, que ao Brasil garante Poderoso auxílio, pela Paz Mundial.
ESTRIBILHO Salve, Salve Batalhão Suez Defensor da Paz, da Humanidade Ficarás, na
história do Brasil para toda eternidade.
II No combate da guerra sangrenta Ou mensageiro da Paz sobre a terra O nosso
verde oliva sempre impera ! Sua Bandeira, hasteada ao deserto Simboliza, Bravura
e Tradição Batalhão Suez És o orgulho da nossa Nação
ESTRIBILHO Salve, Salve Batalhão Suez Defensor da Paz, da Humanidade Ficarás, na
história do Brasil Para toda eternidade.
De: Theodoro da Silva Junior <theojr@terra.com.br>
Data: 4/11/2006 (10:27:52)