O BRASIL NO DESERTO

Texto de Fabiano Luis Bueno Lopes


Há cinqüenta anos, o Brasil enviou para o Oriente Médio o Batalhão Suez, que tinha a missão de evitar conflitos entre Egito e Israel

Juscelino Kubitschek, então presidente, aceitou prontamente a indicação, tratando de convocar o Exército para integrar as tropas internacionais.

O Brasil tinha fortes interesses estratégicos na missão. As intenções de JK com relação à política externa tornaram-se claras: a participação na tropa de paz era uma oportunidade de projetar o Brasil no cenário internacional - ambição que o país perseguia com afinco na época.

Ao longo de dez anos, o governo brasileiro enviou vinte contingentes de tropas para a região, num total aproximado de 6.300 militares.

Cada grupo permanecia na região por cerca de um ano. A cada seis meses, metade do
efetivo era trocada.

Na época, a imprensa apelidou o destacamento brasileiro de Batalhão Suez, alcunha pela qual os integrantes da missão ficaram conhecidos e identificam-se até hoje. A referência a Suez se deve à atuação das tropas de paz no conflito que se seguiu à nacionalização do canal. O apelido facilitava a identificação do contingente brasileiro, vinculando-o ao conhecido ponto na região.

O nome oficial do grupo era menos atraente: 3ºBatalhão pertencente ao 2º Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro. No decorrer do conflito, outros quartéis seriam usados para formação, instrução e treinamento de tropas em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Minas Gerais e Paraná, entre outros.

Na maioria das vezes, as forças brasileiras foram enviadas para o Oriente Médio em navios de transporte de tropas da Marinha - as viagens duravam cerca de 40 dias.

No decorrer dos anos de conflito, alguns contingentes foram levados em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Quando chegavam ao Egito, os soldados brasileiros se deparavam com um ambiente totalmente hostil. O agressivo clima do deserto - muito seco e quente de dia e frio à noite - era algo totalmente novo para o brasileiro, assim como os hábitos alimentares e as práticas culturais dos habitantes da região. Apesar disso, as tropas se adaptaram surpreendentemente bem às condições, executando suas missões com sucesso.

A simpatia, o companheirismo e a amizade demonstrados pelos membros do Batalhão Suez conquistaram o apreço da população local. Os bons olhos com que os brasileiros eram vistos facilitariam o andamento da missão.

O clima de incerteza, o desgaste provocado pela tensão da guerra e a situação de miséria que assolava a região punham em xeque o moral das tropas. Muitos soldados sofriam intensamente - segundo descrição de alguns veteranos - por causa da distância e das saudades da família e do Brasil. Escreviam longas cartas para suas famílias e poesias em que expressavam seus pesares.


" FARROUPILHA CHAMANDO SUEZ "

História enviada dia 11/05/04 -
Colaboração de Ivan Dorneles Rodrigues - PY3IDR
e-Mail : ivanir@cpovo.net

A primeira e mais importante missão, como repórter de rádio, de Glênio Peres, verificou-se em 1958, quando o Rio Grande do Sul formou o seu Batalhão Suez que, através da ONU foi designado como Força de Paz entre o Egito e Israel, na faixa de Gaza. Glênio Peres, melhor do que ninguém, assim retratou esse evento:

"Juntamente com o colega Tito Tages, do "Correio do Povo", embarcamos de navio e levamos não menos que vinte dias para alcançarmos Porto Said. Desembarcamos e, de trem, tivemos de atravessar o canal de Suez.

Quando chegamos a El Cantara, uma cidade do lado egípcio fomos presos pelo Exército por que não havia licença para a permanência de jornalistas na Faixa de Gaza.

Fomos despachados para Porto Said para regressar ao Brasil.

Ficamos constrangidos e tristes e profissionalmente frustrados.

Depois de longa viagem e sabendo da expectativa, aqui, das famílias dos pracinhas gaúchos, tomados de natural ansiedade e expectativa quanto aos rapazes na frente da guerra, decidimos.

Embarcamos como nos exigiam, mas à hora em que o navio apitou para zarpar desembarcamos clandestinamente.

Entramos em um ônibus repleto de árabes e fomos ao Cairo tentar uma licença precária.

Deram-nos autorização apenas por quatro dias, tempo apenas suficiente para irmos ao ponto em que se encontrava a tropa brasileira e regressarmos.

Isto mesmo, a permissão estava condicionada a viajarmos em veículo da ONU.

Assim, fomos para Haifa, sede do quartel dos nossos pracinhas.

Terminado o prazo resolvemos continuar por lá e numa situação estranhíssima passamos meses. A Israel não podíamos ir, regressar ao Egito seria entregarmo-nos à prisão. Estávamos circunscritos ao território da ONU. E, nesses cinco meses por lá, fazíamos gravações de entrevistas com os nossos soldados e mandávamos esse material, juntamente com artigos para o Diário de Notícias.

Na sede da Farroupilha, excelentemente ouvida lá no distante Oriente Médio, sintonizada habitualmente pela tropa da ONU, constituída de mais de 300 gaúchos, dois companheiros, Abel Gonçalves e Marcos Fichbenn apresentavam um programa para lá dirigido "Farroupilha chamando Suez". O programa, transmitido aqui à meia-noite, era sintonizado pelos pracinhas às seis da manhã, em Gaza. Reproduzia os recados e entrevistas, colhidos por mim, seguidos da participação no estúdio, isto ao vivo, dos pais, noivas e demais parentes a que se referiam as gravações. Formamos assim, uma ponte de ligação através do Atlântico e zona conflagrada".

E Glênio Peres lembrava, também, um acontecimento pitoresco, ocorrido na data de 7 de setembro, já então no Cairo.

"Com a aproximação de nossa data magna, os egípcios dispensaram, a nosso respeito, os rigores antes impostos. Tudo bem, tudo em família, podemos ir de visita ao Cairo e, ali, o encarregado de negócios do Brasil, dr.Cézar Correia do Lago, era um homem muito entusiasmado e fizemos uma verdadeira comemoração do nosso dia da Independência.

E aconteceu uma quase complicação. Em homenagem aos gaúchos, aquele diplomata mandou fazer um churrasco e escolheu por local, a sacada da embaixada brasileira, no centro da capital. A fumaça da churrasqueira chamou a atenção dos transeuntes, e, em minutos, o prédio estava cercado por guarnições do Corpo de Bombeiros.

E pra explicar aos espantadíssimos egípcios que aquilo não era incêndio mas apenas um churrasco? Não estivesse do nosso lado o embaixador, com certeza iríamos todos presos.

Outro episódio marcante dessa reportagem radio jornalística foi a promoção que fizemos "Mãe venha encontrar seu filho".

Através de concurso, proporcionamos a um pracinha, ser visitado por seus pais em Beirute, no dia 20 de setembro. Mas não contávamos com um grave problema, que só depois nos ocorreu. Os pais do contemplado viajaram daqui. Mas para irmos a Beirute teríamos de atravessar Israel o que era impossível. Ao final, conseguimos um avião branco, com emblema da ONU e resolvemos satisfatoriamente o caso".

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Colaboração de Ivan Dorneles Rodrigues - PY3IDR

e-mail: ivanr@cpovo.net

 

de Theodoro da Silva Junior <theojr@terra.com.br>
data 15/12/2007 17:21
assunto O BRASIL NO DESERTO


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