HISTÓRIA DE JERUSALÉM
Por Mahdi Abdul Hagi*

Jerusalém, al-Quds al-Sharif (a nobre cidade santa), tem uma longa e rica história acentuada por seu significado religioso, simbólico e estratégico. Ela permanece como testemunha da vida e das culturas dos numerosos povos que ali reinaram. A longa historia, sua importância central e o imaginário espiritual da cidade deram origem a uma vasta literatura sobre o passado de Jerusalém. E graça à emoção que a cidade suscita, poucos autores foram capazes de resistir a colorir seus trabalhos com análises seletivas visando a mostrar que grupos de pessoas tem mais direito sobre a cidade. o resultado é que agora se pode achar diversas fontes de apoio a qualquer argumento, e que há pouco consenso acerca de longos períodos da história da cidade. Na verdade, há, provavelmente, poucos assuntos que tenham gerado tanta pesquisa e análise mutuamente contraditórias. Portanto, uma revisão geral da história de Jerusalém não deveria se deter sobre detalhes, mas ao contrário, tentaria detectar as linhas gerais que se combinam para formar o legado de Jerusalém. A diversidade e santidade da cidade, bem como seu potencial como um centro de convergência de diversas civilizações e intelectuais, são a grandeza de Jerusalém. É este legado que nós, que lidamos com Jerusalém presentemente, devemos lutar para proteger.

A
terra, o seu povo e a sua história
Há mais de 5000 anos, depois de um período de seca assolou a Península Arábica, os cananeus, tribos dos árabes semitas, vieram se estabelecer nos territórios a leste do Mar Mediterrâneo que formam, hoje, a Síria, o Líbano, a Jordânia e a Palestina. Os Jebusitas, um subgrupo cananeu, fundaram Jebus - Jerusalém- no lugar onde ele está localizada hoje e edificaram o primeiro muro ao seu redor, dotado de 30 torres e sete portões. Aproximadamente 2000 anos mais tarde, os filisteus, vindos de Creta, chegaram na terra de Canaã. Misturaram-se com as tribos cananéias e viveram na área sudoeste da moderna Palestina, sobre a costa do Mar Mediterrâneo na área que agora se estende na Faixa de Gaza até Ashdod e Ashkelon. Os cananeus deram aos territórios que eles habitaram o nome bíblico de "A Terra de Canaã", enquanto os filisteus deram-lhe o nome de Filistina ou 'Palestina'.
Os cananeus descobriram que estavam numa localização estratégica e cercada por poderosos impérios originários do Egito a sudoeste, através do Mar Mediterrâneo a oeste, e Mesapotâmia e Ásia a nordeste. Mais de um milênio antes do nascimento de Cristo, egípcios, assírios, babilônicos, persas, mongóis, gregos e romanos cresceram ao redor da terra dos cananeus e filisteus e a governaram por variados períodos de tempo. A posição geográfica da área significava que ela servia tanto como uma ponte entre os vários impérios regionais, como uma arena para lutas e conflitos entre eles. Em conseqüência, os cananeus nunca puderam estabelecer um estado forte e unificado, e suas organizações políticas tomaram a forma de cidades independentes dotadas de governos ligados por relações federativas. Entre as cidades costeiras mais proeminentes dos filisteus, cananeus e fenícios que habitaram a área da atual Palestina estavam Beirute (Bairtuyus), Sidon, Tiro, Acre, Ashkelon e Gaza. As cidades cananéias do interior incluíam Jericó, Nablus (Shikim) e Jerusalém (Jebus). A religião dessas primeiras civilizações da Palestina era centrada na natureza: o céu era o Deus Pai e a terra era a Mãe Terra. Esses povos semitas de Canaã formaram a base do tronco do qual descendem os palestinos de hoje.
Em termos de geografia, demografia, sociedade, economia e vida cultural, Jerusalém tem sido o centro da Palestina e o grande ponto de encontro de importantes corredores leste-oeste, norte-sul. De fato, desde os tempos das civilizações mais primitivas da Palestina, Jerusalém tem sido a parte mais importante e inseparável da Palestina. Assim, quem quer que controle Jerusalém fica numa posição de dominação sobre a Palestina. Nela localiza-se a raiz da turbulenta e conflituosa história da cidade de Jerusalém.
Por volta do século XVIII
a.C., Abraão veio de Ur, no sul da Mesopotâmia, para a terra de Canaã. Ele se
estabeleceu nas cercanias do Vale do Jordão. Visto que nem o velho e nem o Novo
Testamento não haviam sido revelados durante sua vida, Abraão não era nem
judeu nem cristão, mas um crente na unicidade de Deus. Ele é descrito no Gênese
como tendo adorado "o mais alto Deus". O Corão menciona que ele era
um 'muçulmano', não na acepção moderna de alguém que segue as leis
reveladas no Corão, mas sim no sentido de Ter entregue "sua submissão à
vontade de Deus". Assim, cristãos, muçulmanos e judeus ainda rogam por
ele em todas as suas preces, como acreditam que Deus lhes exortou a fazerem.
Agar, a concubina de Abraão, lhe gerou seu filho Ismael, de quem os atuais muçulmanos
traçam sua descendência; entrementes, sua mulher Sara gerou-lhe o filho Isaac,
do qual os atuais judeus traçam sua linhagem. Abraão se mudou para um lugar
perto de Hebron (al-Khalil), onde viveu pregando o monoteísmo. Quando morreu,
Ismael e Isaac sepultaram-no na mesma cova onde sua mulher Sara foi sepultada.
Seu filho Isaac gerou Jacó (Israel), que viveu na região de Harran (Aram).
Por volta de 1300 a.C., os doze
filhos de Jacó (Israel) partiram para o Egito. Eles se integraram aos egípcios
e José, o mais jovem dos filhos de Jacó, casou com a filha do sumo sacerdote.
Originalmente um pequeno grupo de pessoas, eles se multiplicara, e ganharam força
durante várias centenas de anos no Egito, tornando-se os israelitas. Foi no
Egito que Moisés, 'o fundador do judaísmo e o mais eminente legislador e também
profeta para as três religiões reveladas, nasceu e estudou filosofia egípcia,
tornando-se letrado em todas as ciências dos egípcios. Moisés, juntamente com
seu povo (B'nei Israel) deixaram o Egito por volta do século XIII a.C. vagaram
durante 40 anos no Sinai, e durante esse tempo ele recebeu a lei divina judaica
no monte Sinai (Tur).
Após a morte de Moisés, Josué
assumiu a liderança dos israelitas e os conduziu para o oeste pelo rio Jordão
até Canaã. A primeira cidade cananéia que Josué conquistou foi Jericó,
destruindo-a juntamente com seus habitantes. Depois, ele assumiu o controle de
Yashuu'(Bayt Ele), Likhish, e Hebron, embora os filisteus tenham bloqueado o
avanço do povo de Moisés rumo à costa, na área entre Gaza e Jafa, enquanto
os cananeus impediram-nos de conquistar Jerusalém. Quando chegaram a Canaã,
foram influenciados pelos cananeus e imitaram seus ritos religiosos,
especialmente na apresentação de ofertas sacrificiais ao Deus Baal.
Nos 150 anos seguintes, os
israelitas, filisteus e cananeus controlaram, alternadamente, porções da área
da moderna Palestina, com os cananeus (jabusitas) controlando Jerusalém. Ma
nenhum grupo foi capaz de consolidar o controle sobre toda a área. Houve
numerosas lutas entre grupos, sendo que cada um mantinha sua própria cultura e
sua própria independência.
Por volta de 1000 a.C., o rei
dos israelitas, Davi, pôde subjugar os pequenos estados de Edom, Moab e Amon.
Durante sete anos ele fez de Hebron sua capital, mas, depois transferiu o centro
do poder para Jerusalém pelos últimos 35 anos de seu reinado. Depois dele,
poder passou para o seu filho Salomão, que é famosos por ter erguido o lugar
de adoração conhecido como o Templo de Salomão. Para os judeus, esse templo
tornou-se o centro da vida religiosa e o símbolo básico de sua unidade.
Tornou-se ainda um ponto de peregrinação emocional para o povo judeu.
Com a morte de Salomão, seu
reino foi dividido em dois: o Reino de Israel, ao norte, composto por dez
tribos, com Samaria (Sabastia) como sua capital, e o Reino da Judéia, ao sul,
composto por duas tribos, com Jerusalém como sua capital. Lutas crônicas entre
os dois estados e batalhas colocando-os contra os cananeus e os filisteus,
caracterizaram esse período da história do Oriente Próximo.
Por volta de 720 a.C. os assírios,
sob orei Sargão, destruíram o reino israelita ao norte. Em 600 a.C. os babilônios,
sob o comando de Nabucodonozor, conquistaram o reino israelita sudeste,
destruindo o templo de Salomão em aproximadamente 586 a.C.. em ambos os casos,
a maioria da população foi levada para a Assíria e a Babilônia, na Mesopotâmia,
como escrava. Quanto a Jerusalém, tornou-se colônia babilônica. Por volta de
838 a.C., Ciro, rei dos persas, foi capaz de conquistar o império babilônico
(Mesopotâmia), prosseguiu em suas conquistas até que ocupou a Síria e depois
a Palestina, incluindo Jerusalém, permitiu que os escravos de Nabucodonozor
retornassem à Palestina, e o Segundo Templo foi concluído em 515 a.C.
Quando o império grego
floresceu (eles ainda governaram Jerusalém durante sete anos) a Palestina caiu
sob o domínio do Egito (322-200 a.C.) e depois por um certo período sob o
governo dos selêucidas da Síria de 200 a 142 a.C.. Nesse ano, o rei Antióquio
IV, que tinha danificado o Templo de Salomão forçou os judeus a renunciarem ao
judaísmo e a abraçarem o paganismo grego. Por volta de 63 a.C., depois que os
romanos subjugaram os seldjúcidas na Síria, o general romano Pompeu assumiu o
controle sobre Jerusalém. Com a ajuda dos romanos, Herodes se tornou rei da Judéia
no ano 40 a.C. seu reinado durou até sua morte no ano 4 A.D. Durante esse
tempo, o Templo de Salomão foi reconstruído em Jerusalém e houve a perseguição,
o processo de crucificação de Jesus Cristo, depois do que, sobreveio a propagação
da fé cristã.
Na era de Tito, cerca de 70
A.D., os romanos infligiram aos judeus uma derrota devastadora. Tomaram Jerusalém
e queimaram o templo judeu de uma vez por todas. Sob Adriano, várias décadas
depois, os remanescentes finais da população judaica foram subjugados e
expulsos da Palestina. Os romanos ergueram uma nova cidade sobre as ruínas de
Jerusalém, a qual eles dominaram de Aelia Capitolina, com referência ao
imperador Aelius Adrianus. Cerca de 395 A.D., Jerusalém tornou-se uma cidade
bizantina e cristã. Mas embora a Palestina e seus habitantes se tornassem uma
parte do império bizantino política e religiosamente, a vida e a cultura dos
cananeus locais permaneceram voltadas para Jerusalém.
Após um breve período de
controle pela Pérsia, no começo do século VII A.D. a Palestina e o resto da Síria
saíram do jugo dos romanos e caíram na esfera do império árabe-islâmico.
Jerusalém tornou-se a primeira direção das preces dos muçulmanos (qibla) -
'o primeiro dos dois qiblas'- e a Palestina 'os recintos que Deus abençoou'.
Em 638 A.D., o segundo califa,
Omar ibn al-Khattab, chegou a Jerusalém. É importante notar que pelo,
aproximadamente, 1300 anos desde a chegada da civilização árabe-muçulmana à
Palestina, até o século em curso, Jerusalém permaneceu árabe, do ponto de
vista da língua, da cultura e da demografia.
Omar acreditava que Alá
ordenara respeito à santidade a cidade de Jerusalém e o respeito por Ahl
al-Kitab (O povo do livro). De acordo com o islã, a liberdade de culto a Ahl
al-Kitab em Jerusalém é uma dádiva de Deus e, por isso, não pode ser subtraída
por mãos humanas. Assim, Omar não tomou a cidade pela força, mas pelo contrário,
instituiu a Convenção de Omar, um acordo que determinava o controle muçulmano
sobre a cidade mas reconhecia o direito inalienável à liberdade de expressão
para judeus e cristãos em Jerusalém. Omar confiou as duas famílias árabes muçulmanas
em Jerusalém as chaves da Igreja do Santo Sepulcro. Ele agiu assim a fim de
mandar uma mensagem aos muçulmanos de que a igreja era um templo sagrado que não
deveria ser danificado, desrespeitado ou violado de nenhum modo, e como uma
resolução para rixas entre várias seitas cristãs sobre quem deveria
controlar a igreja. Das famílias árabes residentes na cidade, algumas se
converteram ao islã imediatamente, enquanto outras mantém até hoje sua fé
cristã. Entre essas famílias árabes cristãs e muçulmanas da velha Jerusalém
estão os Khalidis, os Alamis, os Nuseibehs, os Judahs, os Nassars e os Haddads.
A lei muçulmana vigorou em
Jerusalém e na Palestina desde o século VII A.D. até o começo do século XX,
excetuando o período das Cruzadas. Os cruzados capturaram a cidade em 1099
A.D., viram-na libertada pelos aiúbidas sob Saladino em 1187 A.D., e depois
recapturaram-na em 1229 A.D. Cerca de 15 anos mais tarde, os muçulmanos outra
vez ali restabeleceram seu governo, e a cidade não saiu mais do seu controle até
a ocupação britânica na I Guerra Mundial, em 1917.
As dinastias islâmicas - ao
omíadas, abássidas, os fatimidas os seldjúcidas, os aiúbidas, os mamelucos, os
otomanos e os hashimitas - respeitaram o "status quo ante" instituído
na Convenção de Omar ibn al-Khattab. Todos eles participaram da reconstrução
de Jerusalém, preservando a santidade de sua herança e desenvolvendo seu
legado islâmico e árabe. Essas dinastias se esforçaram para reconstruir as
mesquitas da Abóbada da Rocha e de al-Aqsa, referenciadas no primeiro verso da
Sura 17 do Qur'na. Finalmente, os governantes árabes estavam ansiosos para dar
a Jerusalém um status especial; o primeiro califa omíada, Muaawiyah uniu sua
identidade pessoal com Jerusalém, denominando-se o califa de Bait al-Maqdis. O
califa Abd al-Malik ergueu, em 691, a magnífica abóbada (Qubbat al-Sakhra)
sobre a rocha santa de onde Maomé ascendeu para falar com Alá e onde Abraão
quase sacrificou Ismael. Também ergueu a Mesquita de al-Aqsa na parte sudeste
da área de al-Haram, al-Sharif, para substituir a construção em madeira da
velha mesquita. Estas duas últimas mesquitas foram restauradas e embelezadas
pelos governantes árabes subsequentes, mais recentemente pelo rei Fahd, da Arábia
Saudita, e o rei Hussein, da Jordânia.
* O Dr. Mahdi Abdul
Hagi é professor de história e ciências políticas e autor de vários estudos
sobre a Palestina. Vive em Jerusalém e fundou o Fórum do Pensamento Árabe em
1977. Antes, foi Secretário Geral do Conselho para Educação Superior na
Cisjordânia. Atualmente, é presidente da Sociedade Acadêmica Palestina para o
Estudo dos Negócios Estrangeiros.
( Colaboração Theodoro )